segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Como o Queen fez o Rock in Rio 85 acontecer

Resultado de imagem para rock in rio 1985 (fonte: blog do primeiro fã clube Queen no Brasil)
Antes do primeiro Rock in Rio, realizado entre 11 e 20 de janeiro de 1985, o público brasileiro tinha que se contentar com visitas esporádicas dos grandes nomes da música.

Apesar das bem sucedidas apresentações de bandas como Queen, Iron Maiden, Police e Kiss, os grandes empresários não sentiam firmeza na economia nacional para investir na vinda maciça de artistas. Dentro desse panorama pouco animador, o empresário e publicitário Roberto Medina, dono da agência Artplan, resolveu iniciar uma empreitada tida por muitos como arriscada: realizar um megafestival de rock com dez dias de duração num enorme terreno baldio situado atrás do Autódromo de Jacarepaguá, no Rio. Medina, que havia sido o responsável pelo concerto de Frank Sinatra no Maracanã em 1980, para um público de 170 mil pessoas, era o único que acreditava que um evento como o Rock in Rio poderia dar certo. Com a cara e a coragem, o empresário e seus sócios Oscar Ornstein (já falecido) e Luiz Oscar Niemeyer (que depois criou a empresa Mills & Niemeyer, responsável por outros grandes eventos como os Hollywood Rock, e atualmente é presidente da gravadora BMG), passaram boa parte de 1984 viajando pelo mundo, correndo atrás dos artistas que queriam trazer para o evento.


Participaram pasmem, de 70 reuniões inicialmente  e ouviram 70 "nãos", mas não desistiram. O primeiro grupo a fechar contrato, depois de muita discussão, foi o Queen. O então empresário da banda, Jim Beach, ficou assutado com o que os brasileiros prometiam: 500 mil metros de área total, heliportos, lanchonetes, mini-shoppings, cobertura maciça da mídia e, na parte técnica, três palcos giratórios com 80 metros de boca de cena, algo nunca visto até então. Depois o Queen. Nesse momento, o jogo virou, e bandas consagradas se voluntariaram para vir ao Brasil. O cachê mais alto foi pago ao Queen: US$ 600 mil (equivalentes a US$ 1,3 milhão atuais). No geral, porém, foi mais a aventura de tocar no maior festival da história, num lugar então tão fora do eixo, que trouxe roqueiros de grosso calibre ao país. Algumas estrelas internacionais aceitaram tocar por metade de seus cachês usuais. Com o aval do Queen, as coisas começaram a ficar um pouco mais fáceis, mas Medina e seus fiéis escudeiros tiveram que pagar alguns "micos".

Resultado de imagem para Iron Maiden no rock in rio 1985Quando chegaram para a reunião de negociação com o Iron Maiden, em Los Angeles, foram recebidos pelo empresário da banda, que estava de cuecas e com macarrão pendurado na barba. Chegaram a um acordo apesar do constrangimento. Rod Smallwood, empresário do Iron Maiden, chegou a dizer que a banda veio só para conhecer as praias cariocas. Fabio Fernandes, diz:"De certo modo, Medina sempre foi uma figura quixotesca, no sentido de perseguir objetivos que só parecem fazer sentido em sua cabeça. Sua fixação por Dom Quixote, aliás, é tão conhecida que, no primeiro Rock in Rio, Freddie Mercury o presenteou com um desenho do “engenhoso fidalgo de La Mancha” assinado por Salvador Dalí. Depois do Queen e do Maiden, conseguiram fechar com Ozzy Osbourne, Scorpions, AC/DC e Whitesnake (que substituiu o Def Leppard em cima da hora, depois que o baterista da banda, Rick Allen, sofreu um acidente de automóvel que o levou a amputar o braço esquerdo, onze dias antes do início do festival). O heavy metal acabaria sendo, portanto, uma das marcas registradas do primeiro Rock in Rio.

Depois dos metaleiros, os três empresários partiram para outros gêneros. Conseguiram fechar com o Yes e tinham tudo acertado com os Pretenders e o Men at Work. A banda de Chrissie Hynde, no entanto, desistiu depois que a líder descobriu que estava grávida. O grupo australiano nem chegou a assinar contrato, pois acabou antes (seu líder, Colin Hay, viria para o segundo Rock in Rio, seis anos depois). Confirmaram as presenças de Rod Stewart, Nina Hagen, Go-Go's e B52's. Estava pronta a escalação internacional. Faltavam os artistas da casa. Mais problemas à vista. Buscando o ecletismo, Medina, Ornstein e Niemeyer cometeram alguns equívocos na escalação dos brasileiros, como seria comprovado no desenrolar do próprio festival. Da turma do rock foram chamados os então iniciantes Paralamas do Sucesso, Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens, Barão Vermelho, Lulu Santos e Blitz, e os veteranos Rita Lee e Erasmo Carlos. Entraram também intérpretes mais ou menos ligados ao foco principal do evento, caso de Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Moraes Moreira (os três tinham ligação com o rock desde os tempos dos Novos Baianos), Gilberto Gil e Eduardo Dusek. E ainda outros que não tinham absolutamente nada a ver com aquilo, casos de Ivan Lins, Elba Ramalho e Alceu Valença.

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O terreno onde o festival aconteceu, batizado de Cidade do Rock, era, na verdade, um pântano em declive. Para nivelá-lo, foram necessários 77 mil caminhões de terra. Mas com o passar dos dias, as chuvas torrenciais (o Rock in Rio aconteceu em janeiro, no auge da estação das águas) acabaram transformando tudo aquilo em um charco, apesar dos esforços das equipes de manutenção, que praticamente reconstruíam o local após cada noitada. Mas mesmo com o desconforto, o público não estava nem um pouco preocupado e superlotava a Cidade do Rock. Eram brasileiros, argentinos, uruguaios, italianos, americanos, ingleses, etc.

O primeiro Rock in Rio teve momentos memoráveis. As melhores lembranças das atrações internacionais ficaram com o show do Iron Maiden, a única atração internacional a fazer um show somente, por causa da agenda apertada (todos os outros artistas se apresentaram duas vezes; entre os nacionais, Rita Lee, Ivan Lins e Ney Matogrosso fizeram apenas um show), as performances do Queen (com um Freddie Mercury insuperável em voz e carisma, apesar dos ataques de estrelismo nos bastidores) e as duas apresentações de James Taylor, que reergueram sua carreira, então em franco declínio. A gratidão do cantor com o público de 250 mil pessoas na primeira noite foi tão grande que ele escreveu a canção "Only a Dream in Rio", em homenagem à cidade. Alguns artistas nacionais, apesar dos problemas com o som, que era utilizado propositadamente com potência mais baixa, também deixaram boas lembranças. Quem viu não esquece, por exemplo, a energia do Barão Vermelho (com um Cazuza levando a platéia ao delírio) e a competência dos Paralamas do Sucesso (as duas performances do trio acabaram abrindo caminho para o mercado internacional). Ao todo, foram dez noites memoráveis, que reuniram um público total de 1,3 milhão de pessoas que guardam até hoje na lembrança aquelas "90 Horas de Música e Paz", como dizia um dos slogans do festival.

Notíciário na época do show 1985: QUEEN GRANDE SENSAÇÃO DO ROCK IN RIO 85. Embora o Festival dure 10 dias, o Queen se apresenta em apenas 2 noites, nos dias 12 e 19. As bandas que "esquentam" para o Queen são Iron Maiden e The Go Go's e B52's para a segunda. Um público estimado entre 250 mil e 300 mil pessoas, assistiram a cada show, que mais tarde foi mostrado pela TV Globo em toda América do Sul, assistido por quase 250 milhões de pessoas. O Queen assumiu o palco às 2 da manhã nas duas apresentações. "Rock In Rio Blues" é semelhante à uma improvisação no piano anteriormente tocada na Europa, mas foi reescrita para incorporar a letra exclusivamente ao público sul-americano.

Love of my life.. A introdução de Brian para "Love  Of  My Life": "Vocês querem cantar conosco? Certo! Bem, esta é especificadamente para vocês: eu tenho que dizer-lhes que esta música é muito especial para os sul-americanos e nós os agradecemos muito por fazê-la especial no restante do mundo. O nome é "Love Of My Life". ----- Freddie começou a cantar, mas o público estava ancioso para mostrar seu mais novo vocabulário inglês e quase não o deixaram cantar antes de ele os permitir continuar com as música sem sua ajuda. Freddie fica visivelmente comovido assim como todos no palco. Ele os jogou um beijo e Brian ressalta: "Vocês cantam muito bem!" Quando Freddie pára de cantar para deixar Brian começar sua parte solo, brados de "BRIAN... BRIAN... BRIAN..." preenchem a multidão. Foi a vez de Brian engolir o "nó na garganta". Depois, ele incorporou partes da música "Let Me Out", do seu projeto solo de 1983, em sua guitarra.

Resultado de imagem para rock in rio 1985 queen I want to break freeEnquanto o Queen estava no Brasil, a EMI promoveu outra grande festa em sua homenagem. Éra para ser em volta da piscina que dá para ser vista da suíte que Freddie se hospedou, no Copacabana Palace Hotel. Todos os artistas do festival são convidados e muitos aceitaram. Mas na praia perto do hotel, fãs locais aproveitam a festa deles mesmos; colocam 500 velas acesas na areia formando o nome da banda. Brian ouve falar do acontecimento, e junto com sua filha, deixam a "festa oficial" para se juntar aos fãs. O gesto foi muito apreciado.

Resultado de imagem para rock in rio 1985 queen I want to break freeQuando Freddie apareceu de peruca e bobs para cantar "I Want To Break Free", há uma resposta semelhante em toda América do Sul. Nesta hora, meio que preparado para a reação, ele riu e descatou ofensas e ainda falou: "Eu deveria ter sido apedrejado como a Rainha de Sheba mas não vou tirar meus bobs para ninguém". Seguindo 'Rock You' , Freddie surge segurando uma enorme bandeira da Union Jack sobre sua cabeça. Ele anda até a frente do palco e dá um giro de 180º para mostrar o símbolo britânico do outro lado. Duzentas mil pessoas aplaudem o gesto de Freddie que então, a joga para o público. Um dispositivo de fogos de artifício disparam enquanto toca "God Save The Queen". Enquanto isso, a banda corre para seus carros para sua tradicional rapidíssima saída. Além da cobertura do festival pela TV Globo, o segundo show do Queen é filmado com a intensão de ser inserido em vídeo, se tudo corresse bem - como foi. Um vídeo de 16 faixas é lançado dia 13 de maio de 1985.

"Na primeira reunião Jim Beach, maneger do Queen, olhou aquilo e confessou: "Se um americano me mostresse este projeto, eu daria risada"". Conta Medina (idealizador do evento). Beach, porém,acabou convencido. O aval do Queen, habituado a aparatos gigantescos de produção, foi importante para alavancar o projeto. O grupo de Freddie Mercury foi a segunda atração estrangeira a fechar contrato (Ozzy Osbourne foi o primeiro a fechar o contrato) e a notícia tornou os outros artistas mais receptivos. "O festival foi todo preparado para o Queen", opina Dé, na ocasião, baixista do Barão Vermelho. "A estrutura de palco e de luz era toda deles." Medina não desmente totalmente: "O grid de luzes do evento era o deles. A isso eu somei um projeto de iluminação do Peter Gasper. Mas realmente tinha um movimento hidráulico das luzes que só entrava em cena no show deles."

Nos barracos da Cidade do Rock: Freddie Mercury deu fricote ao chegar à Cidade do Rock e encontrar o corredor cheio de plebeus (Erasmo Carlos, Elba Ramalho e outros astros da MPB que esperavam para vê-lo). Entra em cena para segurar o pepino, o bravo Amin Khader, responsável pelos camarins - que, àquela altura, já havia tratado de acender o saquê a 20 graus, para fazer a vontade de Sua Majestade. Travou-se então o seguinte diálogo: Freddie: "Quem são estas pessoas?" Amim: "Grandes artistas brasileiros, gente do mesmo gabarito que você". Freddie: "Não podem ser do mesmo gabarito que eu. Porque eles me conhecem, e eu não os conheço!" Sua Majestade, então, do alto de seu posto de líder do grupo que estava cobrando o cachê mais caro do evento (cerca de U$600.000,00), exigiu que todos saíssem do caminho ou voltava para o hotel. A duras penas, Amin conseguiu que cada um entrasse em seu camarim. Porém, as portas permaneceram abertas. À passagem, de Freddie, ouvia-se o inevitável coro de "Bicha! Bicha!". Freddie então perguntou: "O que eles estão gritando?!". Amin: "Estão te elogiando...". Freddie: "É mentira!". Passado, Freddie entrou em seu camarim. Minutos depois saiu e procurou Amin. "No Brasil tem furacão?", perguntou. Ao ouvir a negativa, Sua Majestade retrucou: "Pois acabou de passar um por aqui!". "Quando entrei", conta Amin, "estava tudo virado! A bicha tinha botado o camarim de pernas pro ar. Tinha mamão papaya até no teto!". Polêmicas a parte, o show foi histórico | Apesar de toda polêmica e episódios desagradáveis, o Queen fez valer cada centavo pago pela sua apresentação, realizando no Brasil um dos maiores shows de rock de todos os tempos. A crítica especializada não economizou elogios ao primeiro Rock in Rio, e com certeza a banda britância possui uma participação fundamental nesse memorável evento

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